Alexandre Freire, conselheiro da Anatel
A Agenda 2030, um compromisso global firmado durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2015, ressaltou a necessidade de ações coordenadas para enfrentar os desafios globais de maneira sustentável. Entre os 193 Estados-membros da ONU que adotaram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Brasil se destacou como um dos signatários, comprometendo-se a implementar políticas voltadas para o fim da pobreza, a proteção ambiental, e o estímulo ao desenvolvimento econômico sustentável.
Dentro desse contexto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) desempenha um papel crucial na promoção desses objetivos no setor de telecomunicações, que é vital para a transformação digital e o desenvolvimento do país.
Em dezembro de 2022, introduzi oficialmente o tema dos ODS no Conselho Diretor da Anatel por meio do Plano Tático da Anatel 2023-24. A partir desse momento, a Agenda 2030 passou a nortear as decisões regulatórias da Agência, impulsionando uma cultura institucional voltada para a promoção dos ODS. Essa foi uma das minhas primeiras ações como Conselheiro, defendendo a importância de fundamentar nossas decisões tanto na legislação vigente quanto na contribuição dessas decisões para a implementação dos ODS no Brasil.
O tema é de suma importância para o desenvolvimento do país. Não à toa, em razão de sua relevância, em setembro de 2023, publicou-se o Decreto nº 11.704, que criou a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS). A comissão, de natureza consultiva e criada no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, tem a finalidade de contribuir para a internalização da Agenda 2030 no País, estimular a sua implementação em todas as esferas de governo e junto à sociedade civil e acompanhar, difundir e dar transparência às ações realizadas para o alcance das suas metas.
Dentre as ações estratégicas no âmbito da Agência, destaca-se o desenvolvimento do projeto “Comunicações Digitais Sustentáveis”, que tem como objetivo integrar os ODS ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Anatel. Este projeto representa uma abordagem inovadora ao utilizar estratégias baseadas nas ciências comportamentais para incentivar e facilitar a adoção e implementação dos ODS por entidades reguladas e terceiros que interagem com a Agência.
Impacto do Projeto no Setor de Telecomunicações
A integração dos ODS no setor de telecomunicações brasileiro é mais do que uma medida administrativa, é um imperativo estratégico. Contudo, não é uma tarefa trivial. Estando no centro da transformação digital, o setor de telecomunicações possui um potencial único para influenciar e acelerar a adoção dos ODS em diversos outros setores.
A incorporação dos ODS nos quadros operacionais e estratégicos das empresas de telecomunicações pode contribuir significativamente para áreas críticas, como indústria, inovação e infraestruturas (ODS 9), cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11) e ação climática (ODS 13).
Além disso, permite que a Agência promova de forma mais eficaz, responsável e inclusiva ações focadas no desenvolvimento sustentável em todos os níveis (ODS 16) e fortaleça os meios de implementação e revitalize a parceria global para o desenvolvimento sustentável (ODS 17).
Decisões recentes da Agência podem servir de parâmetro para ações desse tipo. Como exemplo, apresento a decisão[1] do Conselho Diretor da Anatel que autorizou o lançamento de cabo óptico subfluvial entre Anori/AM e Coari/AM, no Rio Solimões, pela Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz (EAF), com o objetivo de permitir a integração plena do Projeto Amazônia Conectada (PAC) com o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS).
Naquela decisão, percebeu-se que a implantação de fibras ópticas na Amazônia contribui significativamente para os relacionados à Saúde e Bem- Estar (ODS 3), à Educação de Qualidade (ODS 4), ao Desenvolvimento Econômico Sustentável (ODS 8), à Indústria, Inovação e Infraestrutura (ODS 9), à Redução das desigualdades (ODS 10), à Vida na Terra (ODS 15).
Por essas razões, propus ao Conselho Diretor a necessidade de a EAF dialogar com os órgãos IBAMA, ICMBio, IPHAN e órgãos estaduais e municipais correlatos, no sentido de fortalecer o atendimento dos objetivos da Agenda 2030 nas fases subsequentes da implantação do PAIS, em observância ao ODS 17 e algumas de suas metas.
Assim, ao promover essa integração com os ODS, a Anatel busca criar uma infraestrutura resiliente, que incentive a industrialização inclusiva e sustentável e acelere a inovação tecnológica. Essa abordagem é vital para enfrentar os desafios ambientais, garantindo simultaneamente um crescimento econômico que beneficie todas as camadas da sociedade. A implementação desse projeto coloca a Anatel como uma protagonista na promoção de um desenvolvimento econômico mais sustentável, alinhando o setor de telecomunicações com os objetivos globais da Agenda 2030.
Ciências Comportamentais e Sustentabilidade
O diferencial do projeto “Comunicações Digitais Sustentáveis” está na aplicação de técnicas de ciências comportamentais para promover a adoção dos ODS. Elas oferecem insights valiosos sobre como as decisões são tomadas, tanto por indivíduos quanto por organizações, e como esses processos podem ser influenciados para obter resultados mais sustentáveis.
Técnicas como o nudging, que envolve a concepção de escolhas de forma a alterar o comportamento das pessoas de maneira previsível sem restringir suas opções ou modificar significativamente seus incentivos econômicos, mostram-se especialmente eficazes nesse contexto[2].
No caso da Anatel, essas técnicas são empregadas para orientar o comportamento dos entes regulados, incentivando-os a incorporar as perspectivas relacionadas aos ODS na utilização do SEI. Isso pode resultar em maiores taxas de engajamento e conformidade, promovendo uma cultura de sustentabilidade no setor de telecomunicações.
Em vez de seguir uma abordagem de comando e controle, a Anatel está adotando uma postura mais proativa e colaborativa, que promove a conformidade regulatória e igualmente, incentiva a inovação e a colaboração entre o órgão regulador, as empresas de telecomunicações e outras partes interessadas.
A aplicação dessas abordagens comportamentais torna as ações regulatórias mais eficientes e resolve barreiras à mudança, como a falta de conscientização e a inércia[3], que frequentemente dificultam a adoção de novas práticas sustentáveis. Ao compreender melhor as motivações e os processos de tomada de decisão dos regulados, a Anatel poderá desenvolver intervenções mais eficazes, alinhadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável.
Desenvolvimento e Implementação do Projeto
A implementação do projeto foi multifacetada, envolvendo várias etapas e a colaboração entre diferentes áreas da Anatel. Em fevereiro de 2024, a Superintendência de Gestão da Informação (SGI) da Anatel foi solicitada, por meio do Ofício n° 26/2024/AF-ANATEL, a implementar medidas que promovessem uma cultura institucional e setorial voltada à promoção dos ODS estabelecidos pela Agenda 2030. Com base em evidências e nas melhores práticas em ciências comportamentais, foram propostas diversas medidas para facilitar e incentivar a adoção dos ODS dentro do SEI, como a pré-seleção de opções, feedback positivo, normas descritivas, lembretes de compromisso, e um design intuitivo do sistema.
Essas medidas foram concebidas para tornar a seleção dos ODS durante o processo de peticionamento no SEI uma prática rotineira e intuitiva. A lista pré-definida de ODS relacionados às telecomunicações facilita a escolha dos usuários, enquanto as normas descritivas incentivam a adesão a essa prática, destacando o impacto das escolhas dos usuários no avanço dos objetivos globais. Além disso, o design intuitivo do SEI, por sua vez, garante que essa opção seja claramente visível e acessível, aumentando a probabilidade de engajamento por parte dos usuários.
Após o desenvolvimento das funcionalidades e sua integração no SEI, o Módulo ODS foi disponibilizado ao público em geral. Essa solução, desenvolvida internamente pela Anatel, resultou na criação de uma interface intuitiva e eficiente, que facilita a incorporação dos ODS nos processos administrativos, contribuindo para a promoção de uma cultura institucional orientada para a sustentabilidade.
Desafios e Oportunidades
Salienta-se que a implementação desse projeto apresenta tanto desafios quanto oportunidades para a Anatel e o setor de telecomunicações como um todo. Um dos principais desafios é a necessidade de conscientização e engajamento contínuo das partes interessadas. Promover a mudança de comportamento em um setor tão dinâmico quanto o de telecomunicações requer esforços contínuos de comunicação, treinamento e monitoramento, garantindo que os objetivos sejam efetivamente alcançados.
Entretanto, as oportunidades decorrentes dessa iniciativa são vastas. A adoção dos ODS pode posicionar as empresas de telecomunicações como líderes em sustentabilidade, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Essas ações podem melhorar a imagem corporativa das empresas, como igualmente trazer a elas vantagens competitivas, uma vez que atrai consumidores e investidores cada vez mais preocupados com as questões ambientais e sociais. Além disso, ao se alinharem com os ODS, as empresas podem se preparar melhor para futuras regulamentações e políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis.
Perspectivas Futuras
A consolidação do Módulo ODS no SEI representa apenas o início de um processo mais amplo de transformação no setor de telecomunicações brasileiro. No futuro, espera-se que essa iniciativa se expanda para incluir outras áreas e setores regulados pela Anatel, ampliando o impacto dos ODS em todo o ecossistema digital brasileiro. Adicionalmente, a coleta e análise de dados sobre a utilização do Módulo ODS permitirá à Anatel avaliar o sucesso da iniciativa e identificar áreas para melhorias e expansão.
Outro aspecto importante é a oportunidade de colaboração com outros órgãos e agências reguladoras, tanto no Brasil quanto no exterior. A experiência da Anatel com o projeto “Comunicações Digitais Sustentáveis” pode ser um modelo inspirador para outras agências reguladoras que buscam integrar os ODS em suas operações e políticas. A troca de conhecimentos e melhores práticas entre diferentes instituições pode acelerar o progresso em direção aos objetivos da Agenda 2030, trazendo benefícios não apenas para o setor de telecomunicações, mas para toda a sociedade.
Conclusão
O projeto “Comunicações Digitais Sustentáveis” representa uma mudança paradigmática na forma como a Anatel e o setor de telecomunicações brasileiro abordam a sustentabilidade. Ao utilizar técnicas de ciências comportamentais para integrar os ODS da Agenda 2030 nas operações e processos administrativos, a Agência assegura a conformidade regulatória e estimula a inovação, a colaboração e a criação de valor para a sociedade em geral.
Essa iniciativa ressalta o papel do setor de telecomunicações como um catalisador para o desenvolvimento sustentável, demonstrando que é possível alinhar crescimento econômico, inovação tecnológica e responsabilidade social e ambiental.
À medida que o projeto avança, ele promete transformar ainda mais o setor de telecomunicações e servir de modelo para outras áreas da administração pública, impulsionando o Brasil rumo aos objetivos da Agenda 2030.
Dessa forma, o projeto transcende uma simples inovação técnica ou regulatória, mostrando como o setor de telecomunicações pode liderar a transição para um futuro mais sustentável e inclusivo. Ao assumir essa liderança, a Anatel reforça seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e consolida sua posição como líder para implantar uma cultura institucional onde todas e todos se encontram imbuídos do mesmo propósito: contribuir para o alcance dos ODS da Agenda 2030 da ONU.
* – Sobre o autor – Alexandre Freire é Conselheiro Diretor da ANATEL. Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovação Tecnológica da ANATEL – CEADI. Presidente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da ANATEL. Visiting Scholar at the Goethe Universität Frankfurt am Main’s Faculty of Law. Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR. Nomeado pela Presidência da República como membro da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
Fonte: Teletime